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segunda-feira, 29 de julho de 2013

BOOKS FEED YOUR MIND IV - EVELYN WAUGH


 Uma passagem curta de um dos livros que mais influenciaram a minha maneira de escrever. O livro é "Brideshead revisited", retrato de uma certa Inglaterra entre guerras.

 Vi pela primeira vez a série da "Granada" quando estreou, no princípio dos anos oitenta, e só depois li o livro. Ficou comigo para sempre.



O escritor Evelyn  Waugh






Jeremy Irons como o capitão Charles Ryder, o papel que o prejectaria para uma carreira notável.


“Dormi até o impedido me chamar; levantei-me penosamente, vesti-me e barbeei-me em silêncio. Só quando cheguei à porta é que perguntei ao segundo comandante: “Como é que este sítio se chama?”
    Disse-me e, nesse instante, foi como se alguém desligasse a telefonia, e uma voz, que durante dias e dias, incessante e estupidamente, berrava aos meus ouvidos, se tivesse de súbito calado; seguiu-se um imenso silêncio, vazio a princípio, mas, à medida que a minha consciência ultrajada readquiria autoridade, enchendo-se a pouco e pouco de uma série de sons doces, naturais e há muito esquecidos; porque ele dissera um nome que me era tão familiar, um nome tão mágico e de um poder tão antigo que, ao seu simples som, os fantasmas destes últimos anos assombrados começaram a fugir.”


Castle Howard é "Brideshead", onde decorreram as filmagens.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

BOOKS FEED YOUR MIND III. Livros e escritores que alimentam a mente



James Joyce


Ulysses


Retrato do artista.

Retomei recentemente, depois de algum tempo de repouso, a leitura de "Ulysses" o opus magnum de James Joyce. 

Trata-se de uma obra colossal, telúrica, densa e hermética, muito pessoal e imprópria para noviços. Quem nunca leu este autor, deverá começar por "A portrait of the artist as a young man" ou "Retrato do artista quando jovem", uma crónica da juventude, ou "Dubliners" ou "Gente de Dublin", uma colectânea de contos.

Sendo a escrita de Joyce muito ideossincrática, é quase virtualmente impossível obter uma tradução satisfatória. Socorro-me do trabalho notável de João Palma-Ferreira, homem de grande cultura, editado por "Livros do Brasil", que confrontei com o original em inglês.  

Toda a acção decorre num só dia, dezasseis de Junho de 1904 (Bloomsday ou dia de Bloom), num só local, a cidade de Dublin, e a estrutura da obra baseia-se no poema homérico "A Odisseia", cujo herói é naturalmente Ulisses.

Do episódio de Circe, deixo um pequeno excerto. A acção decorre num bordel, entre a meia noite e a uma da manhã, numa atmosfera onírica, sórdida e excessivamente surrealista.

O excerto descreve uma parada honorífica dedicada a Leopold Bloom.



A Dublin contemporânea da acção do livro.


   
“Prolongado aplauso. Erguem-se mastros venezianos, paus de Maio e arcos de triunfo. Um cartaz ostentando as legendas Cead Mile Failte e Mah Ttob Melek Israel atravessa a rua. Todas as janelas estão apinhadas com observadores, principalmente senhoras. Ao longo do caminho os regimentos dos Fuzileiros Reais de Dublin, dos Guardas Fronteiriços Escoceses do Próprio Rei, dos Cameron Highlanders e dos Fuzileiros Galeses, em posição firme, contêm a multidão. Rapazes dos liceus penduram-se nos candeeiros, postes telegráficos, varandas, cornijas, goteiras, chaminés, gradeamentos, algerozes, assobiando e aplaudindo. Surge a coluna de nuvem. Ouve-se à distância uma banda de pífaros e tambores a tocar o Kol Nidre. Os batedores aproximam-se com as águias imperiais içadas, hasteando bandeiras e agitando palmas orientais. O estandarte crisoelefantino do Papa ergue-se nas alturas rodeado de pendões de bandeira cívica. Aparece a frente da procissão encabeçada por John Howard Parnell, chefe do protocolo da cidade, num capote axadrezado, o arauto Athlone e o Rei de Armas do Ulster. São seguidos pelo Mui Honorável Joseph Hutchinson, Lord Mayor de Dublin, sua excelência o Lord Mayor de Cork, suas senhorias os Mayors de Limerick, Galway, Sligo e Waterford, vinte e oito Pares representativos da Irlanda, sirdares, grandes e marajás ostentando as vestes de cerimónia, a Brigada dos Bombeiros Metropolitanos de Dublin, o cabido dos santos das finanças por ordem plutocrática de procedências, o bispo de Down e Connor, Sua Eminência Michael cardeal Logue, o arcebispo de Armagh, primaz de toda a Irlanda. Sua Graça, o mui reverendo Dr. William Alexander, arcebispo de Armagh, primaz de toda a Irlanda, o chefe rabino, o moderador presbiteriano, os chefes das igrejas baptista, anabaptista, metodista e Moraviana e o honorável secretário da Liga dos Amigos. Após estes marcham as associações e sindicatos e as fanfarras com bandeiras esvoaçantes: tanoeiros, avicultores, fabricantes de moinhos, angariadores de publicidade para os jornais, amanuenses, massagistas, vinhateiros, fabricantes de fundas para herniados, limpa-chaminés, refinadores de gorduras alimentícias, tecelões de sedas e popelinas, ferradores, retalhistas italianos, decoradores de igrejas, manufacturadores de calçadeiras, cangalheiros, negociantes de sedas, lapidários, chefes de vendas, corticeiros, assessores de salvados de incêndios, tintureiros e lavadeiros, engarrafadores para exportação, peliqueiros, impressores de etiquetas, gravadores de selos heráldicos, ajudantes de mudas de cavalos, negociantes de metais preciosos, abastecedores para cricket e tiro com seta e arco, joeireiros, comerciantes de ovos e batatas, camiseiros e luveiros, empreiteiros de canalizações. Após eles marcham os Cavalheiros da Alcova, da Vara Negra, da Jarreteira, do Bastão de Ouro, o mestre de cavalos, o grande lorde camareiro, o grande-mestre-de-cerimónias, o alto condestável levando a espada do Estado, a coroa de ferro de Santo Estevão, o cálice e a bíblia. Quatro Charameleiros a pé chamam os espectadores à cena. Replicam os Guardas-Reais, fazendo soar clarins de boas-vindas. Sob um arco-de-triunfo, aparece Bloom, de cabeça descoberta, num manto de veludo carmesim orlado de arminho, levando a vara de Santo Eduardo, a esfera e o cetro com a pomba e a espada sem ponta. Vem num cavalo branco como o leite com longa e esvoaçante cauda carmesim, ricamente ajaezado, com um cabeção de ouro. Viva excitação. Das varandas, as senhoras atiram pétalas de rosa. O ar fica perfumado de essências. Os homens ovacionam. Os pajens de Bloom correm entre os espectadores  com ramos de espinheiro e de giesta.”