Rua dos Fanqueiros, Lisboa, 2020
Tenho visto muito boa gente repudiar o AO, fazendo porém, a coisa
certa pelas razões erradas:
Uns esgrimem o
argumento "imperial" (os outros ex-impérios não fazem acordos
ortográficos com as suas ex-colónias, porque haveríamos nós de o fazer?);
Outros, a tese da
"pureza" da língua (qualquer alteração à língua é uma corrupção e
conspurcação da mesma, vamos deixá-la para sempre tal como ela está);
E há os que denunciam
a sua ilegalidade (o AO é um tratado internacional e as normas das convenções
internacionais não podem ser subvertidas para forçar a sua aprovação, o que aconteceu, pelo que o AO é nulo).
O primeiro argumento,
por supor uma visão estreita e distorcida da História, é fascista;
O segundo, por ignorar
que o português é uma língua viva, é obtuso;
E o terceiro, por se
ater apenas a uma visão jurídica do problema, é formalista.
O "acordo"
"ortográfico" tem dois problemas: Não é acordo, nem é ortográfico.
Por não normalizar (o
que seria, desde logo o seu escopo), não é acordo, e por inovar, não é
ortográfico.
Pretender que uma
língua pluricêntrica como o português se escreva com um critério único é não
compreender a essência e a riqueza dessa pluricentralidade. A língua portuguesa não é uniformizável, visto que diferentes povos em diversas latitudes a falam e escrevem em estádios de evolução distintos.
A dinâmica da língua está vedada aos ortografistas; estes são meros
"notários" ou "tabeliões" da língua que se devem limitar a observar e registar a sua evolução e não a inventar regras estúpidas, sermão que nunca lhes foi encomendado.
O protagonismo na
inovação linguística estará reservado aos que a falam e, sobretudo, aos que a
escrevem, desde logo, aos "bons autores", critério fundamental e
historicamente aceite para a evolução da ortografia ao longo dos tempos. Não
perceber isto é não perceber nada de português.