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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

BOOKS FEED YOUR MIND VII. LIVROS E ESCRITORES QUE ALIMENTAM A MENTE



  Ao acaso, dei por mim a folhear o diário de Vergílio Ferreira, "Conta-Corrente", dos anos 1969 a 1976. Aqui se encontram o homem, o marido, o escritor, o professor, o amigo, o esteta, o filósofo, o observador da política, dos costumes, enfim do seu tempo, sempre num registo íntimo e reflexivo.
  São inúmeras, as entradas que merecem leitura e reflexão. Para hoje, deixo duas, a propósito da escrita.

24 de Agosto de 1973

  "Escrevi na entrevista que gosto apenas de "escrevinhar histórias". Não é exacto: eu não escrevo "histórias". Acho infantil, atrasado, o romance que conta uma "história". Insuportável. Uma "anedota" - não. Deixei de fazê-lo há muito. Um romance impõe à nossa emoção, inteligência, uma situação, um problema, um instante de... numa pulverização da "anedota", a recuperar não bem em narrativa mas em saldo emotivo. Construir histórias que se não possam "narrar". Transpor a "história" imediata para a sua transfiguração. Não a história prosificada mas irrealizada em poesia. Não "contar", mas "presentificar" uma situação. Não separá-la de mim, mas vivenciá-la, através de mim, com o leitor. Assim não me interessa "descrever" seja o que for, nomeadamente as "emoções", mas vivê-las (...)"

7 de Julho de 1976

  "Porque escrevo? Porque é que a parte séria do que sou dificilmente passa para este diário? Escrevo fundamentalmente porque a escrita me realiza, como a outros uma ocupação, mas sobretudo porque a escrita me dá acesso ao mundo do encantamento, do milagre, da verdade mais perfeita da vida. Pessoa dizia que poetava por se sentir responsável, perante os homens, do génio que possuía. Não me sinto responsável perante ninguém. Muito menos pelo génio que não tenho para me sentir. Mas se os outros penetrarem, pelos meus livros, no mundo da transfiguração, não deixei de lhes ser útil. Antes deles, porém, estou eu, a execução da parte melhor de mim, o fixar na palavra o que um instante fulgurou aos meus olhos maravilhados. Escrevo porque só a maravilha é real. O resto é o lixo de que se me compõe quase toda a vida. Mas a beleza e a verdade essencial e a transfiguração maravilhosa do imediato dificilmente passam para este diário. Porque estou aqui  demasiado preso a esse imediato para o milagre acontecer. E eu próprio sou indigno dele. Por isso necessito da cortina da "ficção" para me ocultar e a beleza aparecer. Um deus habita no que somos, mas só nos instantes de graça se revela - ou seja, nos revela na divindade que é nossa. Como a certas substâncias, só o despojo de uma enorme massa de desperdício no-la descobre. Somos quase só desperdício. Mas a pequena centelha que fulgura vale as escórias que se recusam."  

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